Matheus Carneiro e Pedro Oliveira *
A Libra, Liga Brasileira de Clubes, é o novo esforço para que os clubes de futebol sejam responsáveis pela organização e divisão de cotas financeiras do campeonato, atividade que hoje é organizada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
As tratativas, que acontecem desde o ano passado, estão agora sendo debatidas pelos 40 clubes que integram a série A e B do futebol nacional e possuem impasses em relação ao estatuto, especialmente na divisão de receitas, que envolvem valores fixos, variável por performance esportiva e audiência.
Essas negociações ocorrem paralelas aos constantes escândalos envolvendo a alta direção da CBF nas últimas décadas: corrupção, acusações de assédio sexual e moral contra mulheres, acusações de compra de votos na eleição para presidência da Confederação e interferência de pessoas afastadas da CBF pela FIFA.

O cenário
Dentro desse cenário organizacional e diante das possíveis mudanças que podem ocorrer, torna-se essencial falarmos de ESG (do inglês, Environmental, Social and Governance). Além dos clubes serem organizações que naturalmente necessitam de sólidos pilares ambientais, sociais e de governança, o futebol brasileiro ganha contornos mais complexos.
Em primeiro, trata-se de uma paixão nacionalmente compartilhada. Ou seja, não importa a localidade, os clubes contam com torcedores que acompanham de perto cada movimento realizado pela diretoria.
Em segundo, a trajetória de maturação organizacional das entidades acompanha um diferente ritmo do mercado internacional, especialmente europeu. Isso pode ser associado a fatores históricos e políticos. Contudo, os desafios já vivenciados pelos mercados externos tendem a ganharem novas versões nacionais.
Em terceiro, os clubes brasileiros possuem histórico de práticas ESG, especialmente nos pilares Social e Governança, como o Vasco e Atlético-MG aceitando negros em seus quadros no século XX e a Democracia Corinthiana, modelo cujos jogadores votavam nas decisões administrativas, ou mais recentemente com Palmeiras e Flamengo reestruturando suas finanças, e Bahia promovendo programas para torcedores cadastrados em programas sociais.
Práticas ESG
Então, dentro desse contexto, inserir as práticas ESG no início desse projeto é essencial. Afinal, a efetividade do ESG não depende apenas do projeto e conjunto de regras, mas sim da constante criação de valor e propósito em cada pilar.
Na Libra, esses valores podem ser construídos por meio de um programa de compliance com princípios claros que, aliado a um canal de denúncias independente, poderá oferecer proteção ao denunciante, demonstrando que os interesses particulares não se sobrepõem ao desenvolvimento da organização e de seus stakeholders. A pluralidade e representatividade de cada time no Conselho de Administração possibilitará maior equidade e transparência nas decisões da Liga de Futebol.
A experiência internacional demostra que as investigações internas e os programas de compliance possuem grande papel na preservação social e financeira dos clubes e, consequente, nas suas alianças e filiações. Além disso, os valores éticos, quando realmente implementados, perpassam a corporação e impactam a vida de toda a sociedade. Uma política de punições contra atos de intolerância no futebol, por exemplo, tem o poder de transformar a postura dos torcedores, dentro e fora dos estádios.
Gerenciamento de riscos ambientais, aliado à gestão eficiente de recursos hídricos e descarte de resíduos
Nessa mesma lógica, o gerenciamento de riscos ambientais, aliado à gestão eficiente de recursos hídricos e descarte de resíduos, gera impactos positivos na esfera econômica dessas organizações, trazendo também benefícios visivelmente sociais, aliando meio ambiente, governança e impacto social.
Independente da composição e organização da Libra, a realidade é que inserir o ESG na sua estruturação significa proteger o legado e os valores de cada clube. Exemplos não faltam.
As crises envolvendo as confederações de futebol demonstraram que não é mais possível organizar essa “paixão nacional” de qualquer forma. Esses times possuem a grande oportunidade de aliar, por meio da Libra, a transparência ao ganho econômico com a implementação dos pilares ESG.
* Matheus Carneiro e Pedro Oliveira são analistas de Diligências da Aliant, plataforma de soluções digitais para Governança, Riscos, Compliance, Cibersegurança, Privacidade e ESG.
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